
Em direito, o crime culposo é aquele que resulta de ato negligente, imprudente ou inábil do indivíduo, embora não tenha tido a intenção criminosa. Assim defino o preconceito culposo, em que a pessoa não tem a intenção, mas por negligência (ou ignorância) o comete, e acredito que na maioria das vezes sabe do risco de parecer preconceituoso. Mas acha que o deficiente não vai levar pra esse lado.
Acho que a grande maioria dos cadeirantes já passou por isso, cito dois casos em que este tipo de preconceito é nítido. Um é o relato do Evandro no
Tocando a Vida Sobre Rodas, o outro foi uma experiência de um namorado de uma cadeirante no
Assim Como Você, do Jairo Marques. Eu também já passei por situações assim, mas da última vez tive que rir. Fui ao cinema no BH Shopping, entrei na fila de prioridade e minha namorada pediu dois ingressos, pra mim meia entrada por ser deficiente (não há lei pra isso, mas alguns cinemas nos dão este privilégio). Mal pude acreditar quando a atendente perguntou pra ela se eu tinha alguma "carteirinha" pra provar que eu era deficiente. Fala sério.
Na hora eu entrei no meio e perguntei "não está vendo que estou numa cadeira de rodas?" e a moça teve a coragem de dizer "você pode só estar usando". Se não fosse um risinho, em tom de piada que ela deu ao fim da frase, meio que brincando, eu tinha apelado. Juro. Mas como pareceu brincar, eu só disse "é bem capaz de eu gastar mil e quinhentos reais em uma cadeira de rodas e pagar esse mico todo pra conseguir sete reais de desconto no cinema." Ela entregou os ingressos e sorriu sem graça.
Só pude interpretar que a moça é nova no trabalho, deve ter sido treinada exaustivamente para pedir sempre a carteirinha para estudante e identidade para idosos, quando pedirem meia entrada, que soltou essa pérola da "carteirinha de deficiente". Não foi por mal (espero que não), mas foi extremamente preconceituosa na interpretação da regra. Incrível que pra isso treinem as pessoas, mas para tratar o deficiente com respeito, dando prioridade, sendo no mínimo atenciosa ninguém deve falar nada, pois é a minoria. Triste, né?
Em outra situação, vivi a mesma história contada no Assim Como Você. No mês passado, na semana santa, fui a São Paulo e quando passeava com minha namorada na Fnac, resolvemos tomar um café. O "café bar", muito chique, ficava no andar de cima, e tinha uma escada rolante, mas pra um cadeirante... tive que dar uma volta, mobilizar três funcionários para utilizar o elevador do prédio, em outra entrada, e entrar por outra porta no andar de cima. Tudo bem, já me acostumei com isso.
Aí tomamos nosso café, fiquei brincando com ela de adivinhar quem era rico, quem era pobre 'infiltrado' no mundo dos ricos, como nós. Rimos bastante, e de repente a moça que estava sozinha na mesa atrás da gente levantou e disse "dá licença". Pensei "ih, vai brigar porque falamos que ela era infiltrada, deve ter ouvido" mas a moça me solta um "não resisti, tinha que dizer que vocês formam um casal muito lindo". Agradecemos e ela foi embora, lembrei na hora do relato no blog do Jairo. É legal isso, ela não teve má intenção nem nada, mas em São Paulo, uma pessoa desconhecida abordar assim e falar uma coisa dessas, não é normal. Fica parecendo que quis dizer pra minha namorada "parabéns por aceitar esse cara todo quebrado e ainda tratá-lo bem". Não foi a primeira vez, e não condeno quem faz isso, adoro ouvir que somos um lindo casal, mas que tem um culposozinho de leve, tem.
E teve pior. Certa vez, um cara da minha idade perguntou pra minha namorada se as pessoas não acham estranho ela ser muito bonita e estar comigo, sair pra todo lado e andar junto. Na hora não acreditei muito no que ouvi, fiquei atônito, só falei "não, nunca aconteceu". Se acontecesse de novo eu falaria "sim, perguntam se ela além de bonita é rica e inteligente, pra ficar com um cara tão bacana não pode ser só bonita."
Portanto, quando passarem por isso, lembrem-se do "preconceito culposo". Acontece muuuuito!